Produtos fora de prazo
Num certo momento da desenvolvimento humano (o que normalmente significa qualquer coisa relacionada com o mundo ocidental e neste mundo o bocado em que os ricos comparam os seus mealheiros e aplicações financeiras), nasceu o culto da instantaneidade.
Isso significa avidez mas também uma forma precipitada da vida em que tudo se constrói em torno do que o desejo obriga a cada um: o cumprimento instantâneo do que se deseja.
As tecnologias dilataram-nos: temos coisas a mais e mais coisas para ver e ouvir; a nossa mão fica entre o polegar e o indicador e nela temos sempre um aparelho com botões e ligações ao mundo.
Vemos tudo, cegando-nos.
As máquinas permitem-nos ser para além da pele. O nosso ser físico passou a ser ingénuo, insensato, inculto, insípido, indiferentes. Somos In, por assim dizer. E relaxados como um gato anestesiado que não entende o destino que lhe reservaram.
Nessa medida somos os derrotados na grande guerra que travámos connosco. Perdemos a crença. Perdemos a crença no sujeito (que somos, que nos rodeia, que nos ladeia, que nos governa) e nos deuses. Até as novas formas de acreditar em ambos – sujeito e deuses – são de uma pobreza confrangedora e de preenchimentos que nos aprisionam em limites muito próximos da tecnologia, que é instantista e não divina.
O sujeito global é uma das novas utopias. Porque lida com a informação acredita que é informado, e opina sobre incêndios na Grécia e Tsunamis no Pacífico, gestão de recursos humanos no seu bairro ou aplicações de capital no mundo da alta finança, com o mesmo à vontade com que se empanturra de refrigerantes ou cria novos cancros e mutações do ADN com os apetitosos cigarros de vapor. Não sabe escrever sem erros, nem fazer contas de somar, mas isso é-lhe soberbamente indiferente.
Carregamos uma imagem desfocada de nós próprios. Estudamos pouco e mal, fornecemos maus recursos aos que estudam, construímos sociedades débeis fáceis de manipular e de explorar.
Preparamos assim gerações para as novas exigências das empresas: trabalhadores baratos, com pouca preparação literária, semianalfabetos ou analfabetos disfuncionais, que gerem riqueza e poucas interrogações e sobretudo que não subvertam, até porque não sabem nenhum sinónimo dessa palavra anquilosada.
A atual globalização tem muitas armadilhas. Do deputado português que resolveu dar os incêndios na Grécia como exemplo e foi o protagonista estúpido do momento mais estúpido dos momentos estúpidos da política estúpida nacional, ao bacoco Trump que, comprada a Coreia com cheques passados a meias com a China, resolveu espicaçar o Irão, porque uma guerra não traz desenvolvimento mas muito conforto a certas economias geradoras. E se alguém perde as guerras são sempre os que não querem a guerra e a sofrem em vão.
Vivemos num centro comercial medíocre. Muita luz, espelhos, escadas rolantes, lazer, comunicação e consumo – e todavia não percebemos que todos os produtos estão já fora do prazo de validade.
Alexandre Honrado
Historiador